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hello.

jornalista, escritora e viciada em café.
@neilabahia

Assim é, se lhe parece

Cenário: uma banca de jornal no centro de uma cidade.
Personagens: um jornalista que tenta comprar jornais e revistas e um cidadão de meia idade que lê manchetes dos jornais expostos na banca.

Cidadão - Eu acho que conheço o senhor... O senhor é jornalista, não é mesmo?
Jornalista - É, eu sou...
Cidadão - Já vi sua fotografia no jornal...
Jornalista É, ela já saiu algumas vezes...
Cidadão - Posso lhe perguntar uma coisa?
Jornalista - Veja, eu estou meio apressado... Mas pode perguntar, sim.
Cidadão - Por que os jornais se parecem tanto?
Jornalista - Como?
Cidadão - Por que os jornais são tão parecidos? Por que tratam quase sempre dos mesmos assuntos?
Jornalista - Porque as notícias importantes interessam a todos eles. E são publicadas por todos.
Cidadão - E quem decide que uma notícia é importante?
Jornalista - Ora, nós sabemos quando estamos diante de uma notícia importante.
Cidadão - Então são os jornalistas que decidem quando uma notícia é importante?
Jornalista - Bem, digamos que seja...
Cidadão - E se os jornais se parecem tanto é porque os jornalistas pensam da mesma maneira?
Jornalista - Mais ou menos...
Cidadão - Quem compra jornal pensa como a maioria dos jornalista?
Jornalista - Acho que não. Há pesquisas nos Estados Unidos que provam que não. Mas se compram é porque reconhecem que os jornalistas sabem em geral escolher bem o que publicam.
Cidadão -Então os jornais vendem cada vez mais?
Jornalista - Não, a maioria dos jornais do mundo estão vendendo cada vez menos.

(O cidadão olha o jornalista com um ar de espanto e se cala por alguns segundos. Quando vê que o jornalista faz menção de ir embora, retoma as perguntas.)

Cidadão - Por que os jornais têm tantas páginas?
Jornalista - Porque tem muitas notícias e anúncios.
Cidadão - E as pessoas têm tempo para ler tanta coisa?
Jornalista - Não cada vez elas têm menos tempo.
Cidadão - então tem aumentado o volume de anúncios nos jornais?
Jornalistas - Pelo contrário.
Cidadão - Então por que os jornais não têm menos páginas?
Jornalista - Não sei... Mas o senhor já está começando a me irritar...

(O cidadão parece claramente confuso. O jornalista se empenha em fazer de conta que está apenas irritado com tantas perguntas.)

Cidadão - Jornal existe para quê?
Jornalista - Para informar as pessoas. tamb´pem para intruí-las e diverti-las.
Cidadão - Então tudo que interessa às pessoas tem no jornal?
Jornalista - Quase tudo. Ou grande parte.
Cidadão - Os jornais publicam uitas notícias de política e econômia, não é?
Jornalista - Publicam, sim.
Cidadão - quer dizer que os leitores se interessam uito por elas?
Jornalista - Não, elas despertam cada vez menos interesse. Pelo menos das forma como são escritas ou apresentadas.
Cidadão - E que tipo de notícia interessam mais os leitores?
Jornalista - Notícias sobre temas que afetam mais diretamente a vida deles. Notícias, por exemplo, sobre saúde, educação, sexo, ciências, políticas públicas...
Cidadão - Mas os jornais não estão cheios dela, não é?
Jornalista - É, não estão...

(A esta altura, o jornalista e o cidadão já estão rodeados por meia dúzia de pessoas que passavam por ali e se interessaram pela conversa.)

Cidadão - Os jovens lêem jornais?
Jornalista - Lêem pouco. E cada vez menos.
Cidadão - Mas o que os jornais fazem para atrí-los?
Jornalista - Não fazem muita coisa.
Cidadão - Se não atraírem leitores jovens, no fututros os jornais não teram mais leitores, estou certo?
Jornalista - Está, sim. é mais ou menos isso.
Cidadão - Então a idéia dos jornalista é acabar com os jornais...
Jornalista - O senhor me desculpe, mas tenho que ir embora.

(O jornalista sai de cena. O cidadão e as demais pessoas ficam por ali comentando baixinho o que ouviram. A cortina baixa.)

Tragédia (ou comédia, se preferirem) em um único ato - Extraído do livro A Arte de Fazer um Jornal Diário, de Ricardo Noblat.


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